Atualizada em 23/04/2019 às 16h30
O Ministério Público vai instaurar inquérito para investigar
denúncia de falso testemunho, denunciação caluniosa e tráfico de drogas contra
policiais militares da 1ª Cia de São José do Rio Preto.
Através de arquivos captados por câmeras de monitoramento -
inclusive do batalhão da PM - e do registro do aparelho GPS de uma viatura, o
advogado criminalista Eloy Vitorazzo Vigna conseguiu contestar a versão
apresentada pelos soldados Rafael Pereira e William Sanches, de que seu
cliente, Wellington Lopes, foi preso em agosto de 2015 com 300 gramas de
maconha. Ele acusa os policiais de forjar o flagrante. A droga que incriminou o
rapaz estaria guardada na 1ª Cia, onde os pms passaram antes de apresentar o
suspeito na Central de Flagrantes.
Com base nas provas técnicas apresentadas pelo defensor, a
juíza Luciana Cochito, da 1ª Vara Criminal, absolveu o réu por não existir prova suficiente para a
condenação. O advogado recorreu, e agora o Tribunal de Justiça avalia o
pedido de absolvição por inocência. Para Vigna, está PROVADA A INEXISTÊNCIA DO FATO. No dia 12 de abril, o procurador
Fernando Carlos Buck deu parecer positivo para o pedido.
Segundo o boletim de ocorrência que versa sobre a prisão em
flagrante, os policiais faziam patrulhamento pelo bairro Maria Lúcia quando viram
Wellington de bicicleta. Ao perceber a aproximação da viatura, ele teria
dispensado uma sacola com 305 porções de maconha.
O advogado conseguiu imagens de câmeras residenciais
instaladas na rua onde aconteceu a abordagem e desmentiu a versão dos soldados.
“Os vídeos mostram que não houve perseguição. Os policiais
abordam meu cliente sentado na calçada. Ele é colocado no compartimento de
preso e a viatura sai. Os policiais não voltam para buscar a suposta droga
dispensada pelo Wellington. Além disso, uma testemunha, que estava com meu
cliente, depõe a favor dele, dizendo que Wellington não estava com droga
nenhuma quando eles conversavam na calçada”, disse.
Wellington, que negou a posse da droga desde a fase
flagrancial, revelou ao advogado que foi transportado para o Batalhão da PM, no
bairro Solo Sagrado, antes de ser apresentado na delegacia.
“Provei o que ele disse ao requerer, judicialmente, o
registro do GPS da viatura e as imagens captadas por câmeras do batalhão. Não
só comprova que a viatura entrou no prédio, como mostra um dos policiais saindo
com algo nas mãos, que a perícia não descarta a possibilidade de ser droga”.
Mesmo confrontados com as provas, os soldados Sanches e
Pereira continuaram negando em depoimento que passaram no batalhão antes de
levar Wellington para a delegacia.
Outro fato suspeito durante o processo, é que o CD com as
imagens do batalhão, que comprovam a presença da viatura com Wellington no
compartimento de presos, teria chegado quebrado ao Instituto de
Criminalísticas, onde seria periciado. O perito Marcelo Silva atesta o dano em
documento e restitui a prova ao Fórum. Ao ser solicitada a produção de uma nova
cópia, o Capitão José Costa Júnior informa que “foi verificada a mídia e não
apresentou nenhum defeito”. Posteriormente foi comprovado que o oficial não
recebeu o CD quebrado, apenas um ofício para que produzisse outra cópia. Em
trecho do processo, o advogado sustenta que do fato “se extrai fortes suspeitas
que alguém do Instituto de Criminalística possa ter dado oportunidade para que a
PM refizesse as gravações dos arquivos de vídeo, excluindo o exato trecho em
que um dos soldados sai do batalhão com algo nas mãos”.
As câmeras captam imagens através de sensor de movimento,
mas não filmou um dos policiais saindo do prédio. O vídeo ‘pula’ para o
policial fechando o portão. No entanto, os peritos constataram que ele carrega
algo junto ao corpo, com o braço esquerdo.
Em outubro de 2016, diante de várias irregularidades
comprovadas na ocorrência, Vigna pede que o promotor do caso, Sérgio Acayaba, tome
as medidas judiciais, criminais e administrativas cabíveis contra os policiais
envolvidos, mas o promotor respondeu, nas contrarrazões de apelação, que “não
há provas de conduta ilícita dos policiais, impedindo eventual instauração de
procedimento para punição dos mesmos”.
No entanto, em entrevista à rádio CBN, o promotor Acayaba
admitiu a possibilidade crime.
“É estranho o fato de eles continuarem negando que passaram
no Batalhão. Pode configurar falso testemunho”, disse.
Em nota enviada após a entrevista por telefone, o promotor
afirmou que aguarda o julgamento da apelação pelo Tribunal de Justiça. “Depois
do julgamento, caso o Tribunal mantenha o entendimento de que houve mentira nos
depoimentos dos policiais, será requisitado inquérito policial para apurar o
falso testemunho por parte dos dois policiais militares ouvidos como
testemunhas.”
A reportagem da CBN também procurou o promotor de Justiça José
Márcio Rossetto Leite, corregedor das policias, que afirmou não ter sido comunicado
sobre as irregularidades comprovadas no processo. Ele disse “que em razão dos fatos noticiados com dados concretos, irá
instaurar procedimento no prazo de 10 dias”.
Em pesquisa ao site do Tribunal de
Justiça Militar, não foi localizado nenhum processo ou inquérito relacionado à
conduta dos policiais nesta ocorrência de tráfico de drogas. O ouvidor das
polícias, Benedito Domingos Mariano, quer explicações.
“Vou perguntar ao corregedor da Polícia
Militar que apuração foi feita com relação a esta história. Se nada foi
apurado, vou cobrar que seja”, disse.
A Polícia Militar enviou nota oficial nesta terça-feira, após a publicação da reportagem:
"Em atenção à presente solicitação, apresentamos as informações que nos competem
em relação ao fato discutido.
Os fatos narrados foram trazidos ao nosso conhecimento de maneira formal por
meio de expediente encaminhado pela 1ª Vara Criminal da Comarca de São José do Rio
Preto/SP, contendo, dentre outras peças que acompanham o Processo nº. 0000622-
32.2015.8.26.0559, a cópia da Sentença proferida pela Exma. Dra. Luciana Cassiano
Zamperlini Cochito, M.M. Juíza de Direito da Comarca de São José do Rio Preto, e do
Memorial apresentado pelo Exmo. Dr. Sérgio Acayaba de Toledo, Promotor de Justiça.
Das peças citadas acima, extrai-se que o réu Wellington Henrique Lopes de Araújo,
após manifestação do Ministério Público, acolhida pela Magistratura, fora absolvido da
acusação por falta de provas, em virtude de dúvidas verificadas durante a instrução processual,
contudo, segundo as próprias autoridades citadas, também não há provas de que os policiais
militares tenham forjado a prisão em flagrante delito.
Nesse mesmo sentido, apontaram, ainda, que tal dúvida deveria ser interpretada, da
mesma forma, em favor dos militares estaduais e impediria, também, a eventual instauração de
procedimento para puni-los.
Mesmo diante de tais manifestações, considerando o princípio jurídico da
independência da esfera administrativa, o Comandante do 17º BPM/I, ad cautelam, determinou,
em 27 de fevereiro de 2019, portanto, muito antes da presente reportagem, a instauração de
procedimento apuratório que se encontra em curso no âmbito da referida Unidade Policial Militar.
Quanto aos fatos narrados por essa reportagem que, na época, não foram trazidos ao
nosso conhecimento, no sentido de que poderia ter havido alguma conduta irregular praticada
por Oficial do 17° BPM/I, também serão objetos da instauração de novo procedimento
apuratório".
A CBN também procurou a Secretaria de Segurança Pública, que não respondeu que providências vai tomar com relação às denúncias apresentadas pela reportagem e comprovadas no processo.
*O vídeo publicado nesta reportagem é uma das provas apresentadas pelo advogado no processo. Ele mostra a viatura deixando o batalhão, supostamente transportando Wellington no compartimento de preso. Foi neste trecho que o perito constatou que o policial que fecha o portão leva algo no braço esquerdo, preso junto ao corpo. No laudo sobre as imagens, o perito descreve: a Perícia admite a possibilidade de o Policial Militar portar um objeto de cor clara (não identificado pelo relator) justaposto ao seu corpo.