Em apenas um plantão noturno da Central de Flagrantes, três
mulheres que pediram socorro após serem agredidas pelos companheiros,
desistiram de representar criminalmente contra os homens na hora de registrar o
boletim de ocorrência. As histórias semelhantes de violência física e moral aconteceram
num intervalo de apenas cinco horas e expõem a realidade das delegacias 24
horas em que, quase sempre, cabe à autoridade policial decidir pela vítima o
afastamento do agressor.
Mas nem sempre a lei permite ao delegado prender o homem,
ainda que a reincidência de violência esteja documentada nos arquivos
policiais.
É o caso de uma ocorrência atendida pela Polícia Militar no
bairro Dom Lafayete, em que a vítima disse ter sido expulsa da loja do marido à
empurrões e humilhada na frente dos clientes com palavras de baixo calão. A
mulher de 45 anos já registrou vários boletins de ocorrência contra o
companheiro e obteve até medida protetiva, mas continua convivendo com o
agressor. Apesar da história mobilizar PM e Polícia Civil no socorro à vítima, o registro não teve nenhum efeito
prático porque na delegacia, a mulher desistiu da denúncia.
“Muitas vítimas dependem financeiramente do agressor. Então
quando elas se dão conta de que o provedor do sustento da casa ficará encarcerado,
elas se arrependem de ter chamado a polícia”, explica o delegado Roberval
Macedo, que atendeu as três ocorrências.
Em outro caso igualmente preocupante, uma jovem de 24 anos
relatou que já estava sendo ameaça pelo companheiro por telefone e, ao chegar
em casa, no Solidariedade, foi colocada à força no carro, onde foi agredida a
socos e chutes. Embriagado, o homem dirigiu em alta velocidade pelas ruas do
bairro e resistiu à voz de prisão. Na Central de Flagrantes, a moça mudou a
versão dada aos pms, dizendo que tinha sido apenas empurrada, e não quis
representar criminalmente contra o companheiro.
“Em alguns casos como ameaça e injúria, para se realizar a
prisão em flagrante, é necessário a representação da vítima, que é manifestar o
desejo de que o autor seja processado pelos atos praticados. Já nos casos mais
graves, de lesão corporal, em que a vítima está com marcas aparentes, podemos
prender em flagrante. Ainda assim, mesmo quando a prisão não depende da vontade
da vítima, há muitos casos em que ela afirma não querer que o homem seja
preso”, disse Roberval.
É o caso de uma gestante de 19 anos, xingada e agredida pelo
amásio durante uma crise de ciúmes no bairro Vila Toninho. Grávida de dois
meses, ela recebeu chutes nas costas e nas pernas e precisou passar por
atendimento médico. Diante da violência empregada e do estado vulnerável da
vítima, Roberval decidiu pela prisão do agressor, contrariando a vontade da
jovem, que também não quis representar contra o homem com quem vive em união
estável há seis anos.
É para tentar acabar com esse ciclo repetitivo de violência
doméstica que a Polícia Militar lançou nesta semana o programa Lar Mais Seguro,
que visa capacitar o efetivo para encorajar as vítimas a prosseguir com a
denúncia, apresentando os sistemas públicos de proteção, que atuam também para
garantir a independência financeira e emocional das mulheres.
No ano passado foram concedidas 2.936 medidas protetivas para
vítimas de violência doméstica somente em Rio Preto. Em todo o estado, foram
registradas 45.716 ocorrências de lesão corporal dolosa contra mulheres em
2019.