A Delegacia de Investigações Gerais de Rio Preto está em posse de
imagens, captadas por uma câmera de monitoramento, que mostram que dois dos
quatro homens mortos por policiais militares do 9º BAEP no dia 7 de outubro foram
executados. A Secretaria de Segurança Pública foi comunicada do fato pela
Polícia Civil. Em nota, respondeu para a rádio CBN que os policiais envolvidos
na ocorrência foram afastados dos serviços operacionais.
Os dois mortos que aparecem nas imagens são Adeílton Souza
da Silva, de 21 anos, conhecido como Zulu, e Richard Miranda Claudino da Silva,
de 26 anos. Eles eram amigos e moravam no bairro Vila Toninho.
Na última semana, a reportagem recebeu informação de uma
fonte anônima sobre a localização da câmera, instalada em uma chácara da rua
Vilibaldo Urias Gomes, no bairro Jockey Clube. O equipamento fica bem em frente
ao local da suposta troca de tiros. Policiais Civis da DIG identificaram o responsável pelo imóvel e apreenderam o aparelho DVR que armazena todas as
imagens.
A reportagem esteve no endereço e confirmou a presença da
câmera no portão da entrada da chácara, que está desabitada e com uma faixa de
vende-se. Embora não tenha conseguido contato com o dono do imóvel, a presença
de embalagens de camisinhas e cachimbo para consumo de crack na calçada justifica
a preocupação em monitorar eletronicamente a propriedade.
Quem está a frente da investigação sobre as quatro mortes é
o delegado Paulo Buchala Júnior. Na quinta-feira, a reportagem esteve na DIG
para entrevista-lo, mas foi informada que ele está de férias e retorna no dia 1
de novembro. Na ausência de Buchala, quem assumiu interinamente o inquérito é o
delegado Lincoln Oliveira, que confirmou a informação de que imagens estão
sendo analisadas e que as investigações correm em sigilo. Mesmo de férias,
Buchala compareceu na DIG enquanto a reportagem ainda falava com o delegado
Lincoln e, demonstrando preocupação sobre o vazamento da informação, afirmou
que o assunto é muito delicado e, pela complexidade do caso, só falará após a
conclusão da investigação.
Outra informação nova sobre o suposto confronto foi trazida
pelos familiares dos mortos, que desmentem a história do assalto à chácara.
Pessoas ouvidas pela reportagem dizem que o morador, que figura como vítima no
boletim de ocorrência, conhecia o motorista do carro, Ulisses Rogério Souza dos
Anjos, o ‘Magrão’, e para ele devia dinheiro.
Naquela madrugada de domingo para segunda-feira, Ulisses
teria ido à chácara onde o homem trabalhava de caseiro, no Jardim Veneza, para
cobrar a dívida. Na impossibilidade de receber o dinheiro, levou o botijão de
gás como penhora.
Segundo familiares, isso justifica o fato de os quatro não
terem atentado contra a família do caseiro quando ele disse que fugiu de carro
e deixou esposa e a criança de cinco anos na chácara sozinhas com os bandidos, supostamente,
sob a mira de quatro armas.
O delegado Lincoln ainda está intimando as pessoas que serão
ouvidas no inquérito e o relato dos familiares será considerado na
investigação.
A Polícia Civil informou que Ulisses, morto ao se deparar
com viatura do BAEP na avenida Antônio Cabrera Mano, registra histórico de
envolvimento em roubo e posse de arma, embora a reportagem não tenha localizado
nenhum processo ao pesquisar o nome dele completo e o número do documento pessoal no
site do Tribunal de Justiça.
Magrão foi morto no endereço junto com Lindomar Viana, de 36
anos, que estava sentado no banco do passageiro. Este, também de acordo com a
Polícia Civil, registra histórico de embriaguez ao volante e dano, mas o
processo também não foi localizado no site do TJ, seguindo o mesmo
procedimento.
As marcas de tiros no Corsa Sedan que os quatro ocupavam mostram, pelas características das perfurações, que disparos foram efetuados em direção ao carro e perfuraram o capô, bem como tiros que atingiram a traseira do carro em direção à frente, como se alguém tivesse usado o veículo como proteção para atirar. Ulisses e Lindomar, segundo o b.o., portavam cada qual um revólver calibre 38.
Já os dois passageiros do banco de trás, Richard e Adeílton,
conseguiram fugir para o outro lado da rodovia Washington Luís. Quando corriam
pelo bairro Jockey Clube, se depararam com outra viatura do BAEP, que tinha
sido acionada para dar reforço à primeira equipe.
No boletim de ocorrência, registrado como homicídio
decorrente de legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal, consta que
o sargento Thiago Tridico e o soldado Giovani Padovan se depararam com um homem
correndo pela rua Vilibaldo Urias Gomes, quase na esquina com a rua Felipe
Assad Karam e que, ao tentar abordá-lo, foram surpreendidos com tiros de um
revólver calibre 38. Os pms efetuaram, juntos, seis disparos, “atingindo o
agressor”.
No mesmo endereço, os policiais cabo Célio Cordeiro e
soldado Daril Afonso foram surpreendidos por outro homem, este armado com uma
pistola “ponto 40” furtada da Polícia Civil, que teria investido contra os
policiais, que atiraram outras seis vezes.
Mara Silva, mãe de Richard, afirma que, embora o filho tenha
sido preso por tráfico em 2013, nunca se envolveu em assalto, tampouco possuía
arma de fogo. Ela acredita em execução.
“Nunca vi meu filho com arma, nem o Zulu. Eles eram amigos
inseparáveis. Naquele dia ele foi chamado pelo Ulisses porque o cara da chácara
disse que o Ulisses podia ir lá receber o dinheiro que ele devia”, contou.
A irmã de Adeílton, Fernanda Silva, também não acredita em
troca de tiros.
“Aqueles moleques não tinham condições de comprar arma, não. Jamais. Meu irmão trabalhava como ajudante de um pedreiro que pegava várias obras e chamava ele. Segunda-feira ele iria viajar. Às vezes passava 15 dias fora. Tem fotos dele no Facebook trabalhando nos lugares”, disse.
O promotor de Justiça José Márcio Rossetto Leite, que atua
também como corregedor das polícias na região de Rio Preto, está acompanhando a
investigação. Em entrevista à rádio CBN, ele disse que neste momento não cabe
nenhuma providência por parte do Ministério Público. “A competência de
investigação é da Polícia Civil e a equipe da DIG, cordialmente, está
compartilhando comigo o andamento do caso. Só após a conclusão do inquérito
essa apuração será encaminhada para eu analisar e decidir que providências
serão tomadas”, explicou.
A reportagem tentou contato telefônico com o morador da
chácara para questionar a história da dívida. No boletim de ocorrência consta
apenas um celular para recado, da sogra.
Ao ser perguntada sobre o paradeiro do genro, a idosa (que a
reportagem vai preservar o nome), respondeu: “Não, não sei onde que ele está
não”.
- A senhora não mora com ele?
- Não, Deus me livre.
- Porque ele deu o telefone da senhora para contato...
- Deu, mas sem a minha autorização.
- A senhora não gosta dele não?
- Não.
Em consulta ao site do Tribunal de Justiça, consta que o caseiro responde a um processo pelo crime de furto qualificado a uma igreja na cidade de Catanduva. O boletim de ocorrência informa que, após furtar alimentos da capela São Bento, o homem teve a casa invadida por policiais sem farda que o agrediram e danificaram vários objetos da casa. Uma fonte na Polícia Civil informou ainda que há boletins de ocorrência sobre o envolvimento do caseiro com drogas e violência doméstica.
Sinais dos disparos no veículo, mencionados na reportagem.