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Domingo, 27 de Outubro de 2019 às 13:09

DIG tem imagens que mostram execução de dois dos quatro mortos pelo BAEP

Familiares dos homens mortos no dia 7 deste mês desmentem assalto à chácara e dizem que caseiro devia dinheiro para Ulisses Souza dos Anjos, por isso o grupo levou o botijão como penhora. SSP mandou afastar os pms envolvidos.

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A Delegacia de Investigações Gerais de Rio Preto está em posse de imagens, captadas por uma câmera de monitoramento, que mostram que dois dos quatro homens mortos por policiais militares do 9º BAEP no dia 7 de outubro foram executados. A Secretaria de Segurança Pública foi comunicada do fato pela Polícia Civil. Em nota, respondeu para a rádio CBN que os policiais envolvidos na ocorrência foram afastados dos serviços operacionais.

Os dois mortos que aparecem nas imagens são Adeílton Souza da Silva, de 21 anos, conhecido como Zulu, e Richard Miranda Claudino da Silva, de 26 anos. Eles eram amigos e moravam no bairro Vila Toninho.

Na última semana, a reportagem recebeu informação de uma fonte anônima sobre a localização da câmera, instalada em uma chácara da rua Vilibaldo Urias Gomes, no bairro Jockey Clube. O equipamento fica bem em frente ao local da suposta troca de tiros. Policiais Civis da DIG identificaram o responsável pelo imóvel e apreenderam o aparelho DVR que armazena todas as imagens.

A reportagem esteve no endereço e confirmou a presença da câmera no portão da entrada da chácara, que está desabitada e com uma faixa de vende-se. Embora não tenha conseguido contato com o dono do imóvel, a presença de embalagens de camisinhas e cachimbo para consumo de crack na calçada justifica a preocupação em monitorar eletronicamente a propriedade.

Quem está a frente da investigação sobre as quatro mortes é o delegado Paulo Buchala Júnior. Na quinta-feira, a reportagem esteve na DIG para entrevista-lo, mas foi informada que ele está de férias e retorna no dia 1 de novembro. Na ausência de Buchala, quem assumiu interinamente o inquérito é o delegado Lincoln Oliveira, que confirmou a informação de que imagens estão sendo analisadas e que as investigações correm em sigilo. Mesmo de férias, Buchala compareceu na DIG enquanto a reportagem ainda falava com o delegado Lincoln e, demonstrando preocupação sobre o vazamento da informação, afirmou que o assunto é muito delicado e, pela complexidade do caso, só falará após a conclusão da investigação.

Outra informação nova sobre o suposto confronto foi trazida pelos familiares dos mortos, que desmentem a história do assalto à chácara. Pessoas ouvidas pela reportagem dizem que o morador, que figura como vítima no boletim de ocorrência, conhecia o motorista do carro, Ulisses Rogério Souza dos Anjos, o ‘Magrão’, e para ele devia dinheiro.

Naquela madrugada de domingo para segunda-feira, Ulisses teria ido à chácara onde o homem trabalhava de caseiro, no Jardim Veneza, para cobrar a dívida. Na impossibilidade de receber o dinheiro, levou o botijão de gás como penhora.

Segundo familiares, isso justifica o fato de os quatro não terem atentado contra a família do caseiro quando ele disse que fugiu de carro e deixou esposa e a criança de cinco anos na chácara sozinhas com os bandidos, supostamente, sob a mira de quatro armas.

O delegado Lincoln ainda está intimando as pessoas que serão ouvidas no inquérito e o relato dos familiares será considerado na investigação.

A Polícia Civil informou que Ulisses, morto ao se deparar com viatura do BAEP na avenida Antônio Cabrera Mano, registra histórico de envolvimento em roubo e posse de arma, embora a reportagem não tenha localizado nenhum processo ao pesquisar o nome dele completo e o número do documento pessoal no site do Tribunal de Justiça.

Magrão foi morto no endereço junto com Lindomar Viana, de 36 anos, que estava sentado no banco do passageiro. Este, também de acordo com a Polícia Civil, registra histórico de embriaguez ao volante e dano, mas o processo também não foi localizado no site do TJ, seguindo o mesmo procedimento.

As marcas de tiros no Corsa Sedan que os quatro ocupavam mostram, pelas características das perfurações, que disparos foram efetuados em direção ao carro e perfuraram o capô, bem como tiros que atingiram a traseira do carro em direção à frente, como se alguém tivesse usado o veículo como proteção para atirar. Ulisses e Lindomar, segundo o b.o., portavam cada qual um revólver calibre 38.

Já os dois passageiros do banco de trás, Richard e Adeílton, conseguiram fugir para o outro lado da rodovia Washington Luís. Quando corriam pelo bairro Jockey Clube, se depararam com outra viatura do BAEP, que tinha sido acionada para dar reforço à primeira equipe.

No boletim de ocorrência, registrado como homicídio decorrente de legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal, consta que o sargento Thiago Tridico e o soldado Giovani Padovan se depararam com um homem correndo pela rua Vilibaldo Urias Gomes, quase na esquina com a rua Felipe Assad Karam e que, ao tentar abordá-lo, foram surpreendidos com tiros de um revólver calibre 38. Os pms efetuaram, juntos, seis disparos, “atingindo o agressor”.

No mesmo endereço, os policiais cabo Célio Cordeiro e soldado Daril Afonso foram surpreendidos por outro homem, este armado com uma pistola “ponto 40” furtada da Polícia Civil, que teria investido contra os policiais, que atiraram outras seis vezes.

Mara Silva, mãe de Richard, afirma que, embora o filho tenha sido preso por tráfico em 2013, nunca se envolveu em assalto, tampouco possuía arma de fogo. Ela acredita em execução.

“Nunca vi meu filho com arma, nem o Zulu. Eles eram amigos inseparáveis. Naquele dia ele foi chamado pelo Ulisses porque o cara da chácara disse que o Ulisses podia ir lá receber o dinheiro que ele devia”, contou.

A irmã de Adeílton, Fernanda Silva, também não acredita em troca de tiros.

“Aqueles moleques não tinham condições de comprar arma, não. Jamais. Meu irmão trabalhava como ajudante de um pedreiro que pegava várias obras e chamava ele. Segunda-feira ele iria viajar. Às vezes passava 15 dias fora. Tem fotos dele no Facebook trabalhando nos lugares”, disse.

Adeílton já cumpriu medida socioeducativa na Fundação Casa quando menor pelo ato infracional de tráfico de drogas. Após completar a maioridade, não se envolveu em crimes.

O promotor de Justiça José Márcio Rossetto Leite, que atua também como corregedor das polícias na região de Rio Preto, está acompanhando a investigação. Em entrevista à rádio CBN, ele disse que neste momento não cabe nenhuma providência por parte do Ministério Público. “A competência de investigação é da Polícia Civil e a equipe da DIG, cordialmente, está compartilhando comigo o andamento do caso. Só após a conclusão do inquérito essa apuração será encaminhada para eu analisar e decidir que providências serão tomadas”, explicou.

A reportagem tentou contato telefônico com o morador da chácara para questionar a história da dívida. No boletim de ocorrência consta apenas um celular para recado, da sogra.

Ao ser perguntada sobre o paradeiro do genro, a idosa (que a reportagem vai preservar o nome), respondeu: “Não, não sei onde que ele está não”.

- A senhora não mora com ele?

- Não, Deus me livre.

- Porque ele deu o telefone da senhora para contato...

- Deu, mas sem a minha autorização.

- A senhora não gosta dele não?

- Não.

Em consulta ao site do Tribunal de Justiça, consta que o caseiro responde a um processo pelo crime de furto qualificado a uma igreja na cidade de Catanduva. O boletim de ocorrência informa que, após furtar alimentos da capela São Bento, o homem teve a casa invadida por policiais sem farda que o agrediram e danificaram vários objetos da casa. Uma fonte na Polícia Civil informou ainda que há boletins de ocorrência sobre o envolvimento do caseiro com drogas e violência doméstica.


Sinais dos disparos no veículo, mencionados na reportagem.

Fita zebrada, que isolou o local dos disparos, ainda está na árvore. Ao fundo da imagem é possível ver a entrada da chácara.

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